Ando remexendo nas gavetas, pondo fora o que já não me serve, descongentionando o ambiente.
Dizem os especialistas em Psicologia que, ao fazermos isso, organizamos o externo para pôr em ordem o interno. Mas eu vivo fazendo isso! E meu interno nem é tão bagunçado assim! Enquanto vasculho gavetas, caixas, malas, vou deparando-me com outras partes de mim. Algumas já empoeiradas, outras danificadas, outras belas, muito belas, ainda inteiras. E, vasculhando, lembro da minha mãe. Ela gostava (não sei se ainda gosta) de juntar vidros e potes de plástico vazios, de café, de maionese, essas coisas. Ela dizia "vai que um dia eu precise". Eu sempre abominei esse hábito de minha mãe. Às escondidas, eu jogava tudo fora. Continuo jogando. Não quero acumular coisas inúteis que "um dia eu venha a precisar". Dizem, também, que queremos nos organizar internamente quando alguém aparece em nossa vida e a gente fica reciclando, apagando os fantasmas, mandando embora os monstros. Talvez isso seja verdade. Há dois dias eu remexo as gavetas e estou pondo fora coisas das quais nunca tive coragem de me desfazer. Coisas, como aquela caixa secreta onde guardava lembranças de ex-amores (sim, eu sou um romântico deste tipo). Enquanto remexo vou pensando que, o que nos foi, e ainda é bom, fica guardado numa caixa de carne e osso, que respira, ainda.
E no meio de tanta traquitana eu penso em outra coisa. Penso em por que, quando a gente está envolvido com alguém, a gente quer colocar a boca na outra boca? Esfregar a língua na outra língua. Por que a gente quer entrar dentro da outra pessoa? Lamber o corpo, chupar os dedos, morder a nuca, lavar seu rosto, secar seu corpo, comprar um doce pra ela e vê-la comer. Por que a gente quer gozar dela, com ela, pra ela? Sorrir, dormir, descansar, lanchar, assistir filmes, cozinhar, lavar louça, ir ao supermercado, ir à farmácia, a uma exposição, andar na rua, tomar cerveja, ironizar a vida, ser cúmplice no meio da pizzaria do que rolou minutos atrás, pegar uma luneta e observar as estrelas. Por quê? Por que a gente sente essa vontade de comer a outra pessoa, sem talheres e guardanapo de papel? O quê é essa coisa que acontece quando a gente está no trânsito caótico e aí, pensa naquela pessoa e tudo fica bem? E a gente tem uma ereção no mesmo instante em que o cara pede "umamoedinhapelamordedeus" por que a gente tá pensando na boca, no corpo, no jeito de sorrir, no jeito de olhar, no modo de dizer que gosta de você, da pessoa que está em outro ponto da cidade.
E agora eu to aqui pensando no porquê das pessoas escreverem sobre suas vidas em blogues?
Eu havia jurado que meu blog não se transformaria em um diário virtual porque isso reflete a necessidade das pessoas dizerem: Estamos aqui. Estamos vivos. Estamos no mundo. Como cantou Laurie Anderson* (encontrei-a em uma das minhas gavetas e, é claro, jamais a colocarei fora) na canção O Superman And there was a beautiful view but nobody could see. Cause everybody on the island was saying: Look at me! Look at me! Look at me! Look at me! Look at me! Look at me now! . Porque o Homem pós-moderno, ou seja coisa que o valha, tem a infinita necessidade de dizer que está presente neste mundo que não olha pra ele se não fizer coisas definitivamente incríveis. O mundo espera por heróis, mas quer que eles se auto-fabriquem. Por isto, há tanta gente tentando descobrir fórmulas inovadoras e inusitadas de fazer coisas surpreendentes. Para quê? Para que os outros digam Nossa! Vejam esse, ele é legal, ousado, criativo e logo em seguida o devorarem, aí sim, com talheres, guardanapo de papel e a voracidade do Homem das cavernas.
Eu não queria fazer do meu blog, um diário, uma gaveta. Mas já fiz. Afinal, eu também estou dizendo sim, eu existo! e não sei quanto tempo resta pra que os mundos saibam disto. Porque os mundos, puxa! Os mundos são ilhas. Você é uma ilha. Assim como eu, agora, remexendo em gavetas, prateleiras, e ouvindo Laurie Anderson cantar Hello? Is anybody home? Well, you don't know me, but I know you. And I've got a message to give to you.
*Artista visual, compositora, poeta, fotógrafa, cineasta, ventríloqua, bruxa eletrônica, escultora, vocalista e instrumentista, Anderson sempre brinca com arte e tecnologia. Vanguarda da música eletrônica, considerada chata e pretensiosa por uns e adorada por outros, ela é um ícone dos anos 80. Numa entrevista, Laurie Anderson disse que: "Toda história deveria ter começo, meio e fim, embora não necessariamente nessa ordem".
Aqui, tatuo-me.
visível e invisível.
e ponto
(s)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário