Aqui, tatuo-me.

visível e invisível.
e ponto

(s)




quarta-feira, abril 26, 2006

Feto feito de afeto

Zeli, minha mãe.


Amo minha mãe.

Sim. Amo. Amo o jeito como, naquilo que por muito tempo julguei ser desamor, ela me amava, em silêncio.

Amo minha mãe porque não me aprisionou em seu casulo, nem teceu teias com o fim de me proteger do mundo.

Amo minha mãe porque me entregou chaves e permitiu procurar as portas, sabendo que algumas eu abriria, outras não, pois não me seriam necessárias.

Amo minha mãe porque não me sufocou naquilo que o egoísmo decidiu chamar de amor, ao contrário, em muitas ausências suas, deixou-me livre para escolher e construir minha personalidade, minha solidez, meu eu, sem interferências do que pensava ela ser a vida que só a ela seria a adequada.

Amo minha mãe porque sempre soube que ser mãe não significaria, nunca, segurar minha mão em todos os momentos, ao contrário, permitiu-me dar os passos, mesmo que de vez em quando eu caísse diante o seu olhar.

Amo minha mãe porque deixou que eu mesmo descobrisse o jeito de limpar as feridas até cicatrizarem, mesmo que demorasse para que isso ocorresse.

Amo minha mãe porque muitas vezes chorou em silêncio quando me sorria sua infinita bondade de compartilhar minhas inexpressivas tentativas.

Amo minha mãe porque, quando eu distante, deixou sua dor calar para não interromper minha inserção no mundo dos Homens.

Amo minha mãe porque não acendeu a luz quando escurecia e nem afastou os fantasmas, para que eu aprendesse que o mundo é feito de luz e sombras.

Amo minha mãe porque quando eu lhe disse que sonhava, deu-me um travesseiro de penas, mas também me disse que o sonho finda antes que se anuncie seu fim e o travesseiro pesa sob o descanso.

Amo minha mãe porque muitas vezes me deixou ao relento, destapando de minha alma o calor que dela deveria vir, para que eu soubesse que quanto mais frio por fora, mais quente ficaria o dentro, com o tempo.

Amo minha mãe porque foi, e é, a melhor mãe que eu poderia ter, pois arrebentou os grilhões que me aprisionavam a ela em um ritual delicado e verdadeiro, porque honesta, minha mãe nunca desejou ser algoz de coisa alguma, muito menos do filho que desejava descobrir o mundo, ciente de que este poderia ser um lugar hostil.

Amo minha mãe de inteiro o que ela nunca quis em mim metades.

Amo minha mãe porque ainda sabe que em meu jardim nascem ervas daninhas, mas jamais virá retirá-las, pois em sua sabedoria minha mãe deixa que eu selecione com quais plantas queira nascer, brotar, ou definhar.

Amo minha mãe porque ela não me escondeu do mundo, deu-me a primeira pena branca, abriu a janela e me disse: Voa!

Outras penas fui recolhendo no caminho e com elas montei as asas que uso, para dizer a ti mãe, que tenho voado, pousado, machucando as penas que nem tão brancas quanto outrora, mas que em seus ruflares sopram palavras com as quais me ensinaste a dizer o que te digo agora.