Aqui, tatuo-me.

visível e invisível.
e ponto

(s)




quarta-feira, março 17, 2010

quarta-feira, março 03, 2010

Meu editor, após o sismo no Chile


Queridos,
Não há como não ser íntimo e tal depois de tremer nas bases. Passou. Nunca me imaginei sentindo saudade do trânsito de sampa. Hoje pela manhã percorri meu caminho feliz, o tremelicar era só o do ruim asfalto... A ideia da terra firme. ET fone home. O Atlântico. E como é bom olhar uma serra e não uma cordilheira. Claro que Santiago é bela e limpa e seus cães de rua são enormes (dog parade), mas o tremor durou 3 minutos (8.8 é um senhor número!) e a descida do sétimo andar numa saída de emergência sem luz significou um susto cão; afinal se fosse uma partida eu estaria indo pro lado errado e sem luz! Mas, engano. Consegui chegar ao térreo, carregando além do corpo uma samba-canção (eita, haverá hífen?) e uma camiseta na noite fria da cidade. Por horas a esperar os repiques - segundo chilenos leves, peró... - de 6.2 na escala (até isso...). Aliás depois de tudo a gente passa a saber de ene procedimentos pras horas de desgraça. Triângulo da vida, mil coisas. O legal é ter recebido ainda que picadinho a solidariedade de todos daqui da terra antiga. Obrigado. era um alento ler imeiu de gente gostada; a sensação de isolamento, apesar dos 17 brasileiros unidos lá e das muitas personalidades do universo iberohispânico presentes num lobby de hotel. A gente acaba querendo colo. Colo conhecido. Colo comum. Da pátria mãe preta multicor. Aquela quentura que traz paz. Lá nós trocamos colo e isso nos aproximou a todos. A volta no avião da Fab foi fantástica. Uma das nossas que se atrasou deixou corações na mão ao pensarmos na possibilidade de sairmos sem algum dos 17. Mas deu tempo. Voamos como reis. Voltamos. Deu um uffa enorme ao tocarmos o solo. De novo, valeu pela torcida em forma de prece de pensamento, de. E que tremamos com os beijos que deixo aqui a todos.

Sergio Alves

terça-feira, março 02, 2010

Da Folha de São Paulo


OPINIÃO

Espanto e medo são primeiras sensações
Vidros quebrando, coisas caindo e estalos nas paredes são os ruídos ouvidos; solidariedade estreita sentido de equipe

ANA MARIA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM SANTIAGO

Espanto e medo, as duas primeiras sensações. Ainda dormindo, sinto a cama balançar, deslizar e trepidar enquanto algo me sacudia como num pesadelo. Ao abrir os olhos, no escuro, sem entender o que estava acontecendo, de repente me ocorre que, se tudo esta tremendo assim, deve ser um terremoto. Entrava uma fresta de luz por baixo da porta, fui até lá e abri.
A essa altura, tudo já sacudia muito forte. Barulho de vidros quebrados e coisas caindo, estalos dentro das paredes. Do outro lado do corredor, Jorge Eslava, escritor peruano e companheiro do mesmo congresso, segura-se no umbral de sua porta, me chama pelo nome e me diz: "Este é dos fortes..."
Pergunto-lhe: "Que faço?" "Isso mesmo que estas fazendo. Fica aí. Assim que parar, descemos. Teu sapato está por perto? Se estiver, pega antes de descer para não se cortar se tiver vidro quebrado no chão."
Quando o tremor diminui, sigo as instruções e ainda pego um casaquinho que estava a mão. Pelas escadas vamos encontrando outros hóspedes descendo. Reboco caído pelo chão, teto de gesso despencado, papel de parede solto, quadros e abajures derrubados. No saguão do hotel, funcionários nos instruem a sair e esperar lá fora. Longe do prédio para não sermos atingidos por algo que despenque. Procuro os amigos no meio da pequena multidão.
Vejo Marisa enrolada no lençol. Ambas assustadas, nos abraçamos. Os outros vão chegando, igualmente com medo e querendo abraços. Beth, Lygia, Dolores, Yolanda, Sylvia, Daniel, Antonio, Sérgio, Tania, Susana, Angela. Conferimo-nos mutuamente. Muita confusão. A rua toda escura, só o gerador do hotel com suas luzes de emergência. Carros saem com faróis acesos dos estacionamentos subterrâneos, todos se afastam para deixar que escapem para longe. Pelo asfalto, veículos passam muito rápido.
Parece que todos os cachorros do mundo latem ao mesmo tempo. Sirenes de bombeiros, ambulâncias. Barulho de batidas de automóveis. Mais outra em seguida. E mais outra. Claro: todos fogem e os sinais não funcionam.
Ficamos ali em pé, em roupa de dormir. Um ou outro chegou a se vestir completamente antes de descer. Os funcionários do hotel servem água. A equipe de acolhimento do congresso nos acalma, conversa, dá instruções. Entre elas, daí a umas duas horas, nos dizem para entrar. Insistem. Aos que estão com medo, explicam: estão começando os assaltos. Vemos os bandos rondando. Entramos no saguão onde vamos ficar o dia inteiro, prontos para sair cada vez que começar novo tremor. São muitos, mas felizmente todos mais fracos.
Aos poucos, cada um enfrenta o medo, volta ao quarto, pega algumas coisas, muda a roupa, faz seu kit de sobrevivência que passa a carregar pra todo lado desde então -documentos, carteira, uma muda de roupa básica, telefones celulares, óculos.
Só o que se quer então é falar com a família, dar notícias. A comunicação é muito precária. Acesso intermitente a televisão. Telefones, internet e celulares não funcionam. Quem tem blackberry compartilha com todos, quem consegue falar com o Brasil pede para dar recado aos parentes dos outros.
Durante todo esse primeiro dia é assim. Estreita-se uma rede de solidariedade e sentido de equipe.
Eu deveria ir para o aeroporto duas horas depois, voltando para casa. Mas logo se constata que vai ser impossível que esteja aberto. Até agora não se sabe ao certo quando abrirá. Tudo é incerto e precário. Mas lembro de meu pai, quando eu era criança: eu devia era rezar para o meu anjo da guarda e agradecer. Estou bem, entre amigos, não aconteceu nada a nenhum de nós. Triste consolo, em meio a um país desolado, atingido pela dor.

ANA MARIA MACHADO é escritora, autora de "Palavra de Honra" (Nova Fronteira) e "Brincadeira de Sombra" (Global). É secretária-geral da Academia Brasileira de Letras e recebeu o Prêmio Hans Christian Andersen, o mais importante da literatura infantil.