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quarta-feira, março 21, 2007

Tatuagem de cinema

Ontem fui assistir Maria Antonieta, último filme de Sofia Coppola integrante da trilogia sobre a juventude. No papel título, Kirsten Dunst. O filme narra a história da austríaca que se tornou a mais polêmica rainha da França, obrigada a casar-se por com Luís Augusto, o Delfim que subiu ao poder após a morte de Luís XV. A Maria Antonieta, celebrizada pela lenda "Se não tem pão, comam brioches", é uma adolescente de 14 anos, que por um acordo político entre as duas nações se vê obrigada a desfrutar da opulência da corte francesa e de um marido ausente, mais dedicado em fabricar chaves como hobby e caçar, do que cumprir com seu papel de esposo. A França vê na vienense uma mulher seca, incapaz de dar à nação um herdeiro legítimo.

A lente de Sofia nos oferece uma visão completamente diferente e humanizada da personagem. No lugar da vilã absolutista, uma adolescente que, aos catorze anos, é empurrada para um casamento arranjado com um príncipe estrangeiro, sequestrada de sua adolescência, obrigada a cumprir com um rigoroso código de posturas, que considera ridículo.

Inadaptada ao ambiente de intrigas e fofocas e entediada com as rígidas normas cerimoniais, Maria Antonieta faz do desbunde sua marca registrada. Roupas, festas, caprichos, enfim, o sonho da maioria das adolescentes tornado realidade numa escala descomunal. Vivendo numa redoma, sem consciência de que fora das paredes do palácio uma revolução está para explodir. O filme ostensivamente centra seu olhar na nobreza. O povo nunca é mostrado, o máximo que vemos são suas revoltosas foices clamando pelo fim da monarquia e, mesmo assim, apenas como um contraponto para a belíssima tomada em que a protagonista se debruça no balcão como se estivesse colocando o pescoço na guilhotina.

Mas o recurso de ambientar a história no Palácio de Versalhes, tal e qual no século XVIII, com todos os exageros da época mesclados a uma trilha sonora pop, não torna o filme atual como pretendia a diretora. Trata-se do óbvio servindo à atualização do fato. A tentativa de estabelecer uma conexão de comportamento da jovem Antonieta com as jovens do século vinte sequer é arranhada pelo filme. Fica mais no discurso da direção em entrevistas.

Maria Antonieta chegou à França aos quatorze anos e morreu aos trinta e sete, seu esposo, Luís XVI levou sete longos anos para consumar o casamento. Nesse sentido os cortes do filme são confusos, sem indicações claras sobre o tempo em que os fatos transcorrem. O destaque fica para algumas tomadas que conseguem exibir a patética vida da França do século dezoito e o lirismo das cenas realizadas quando Maria Antonieta retira-se de Versalhes para seu Petit Trianon, a fim de criar sua filha longe dos bajuladores e passar horas no campo lendo Rosseau.

Choque: o par de All Star azul jogado em uma cena em que Maria Anonieta faz uma prova de sapatos. Se foi descuido, nota zero. Se foi proposital da direção para tentar estabelecer uma linha de tempo, nota zero também.

Com quarenta milhões de dólares, sendo que trezendos e oitenta e cinco mil foram para locar o Palácio de Versalhes, um filme que poderia ser excelente, ficou na mediocridade, exibindo-se em trajes opulentos e frivolidades, tal qual a época que retrata.

Sofia não merece a guilhotina por ter realizado um filme aquém de As Virgens Suicidas, mas também não merece a coroa.

Falando em guilhotina, todo mundo espera incansavelmente pela cena em que a rainha perde literalmente a cabeça. Desculpe frustrá-los, isso não acontece. E nisso estou totalmente de acordo com o roteiro e a direção. Não há necessidade de mostrar o que podemos imaginar. Afinal, imaginar crueldades é bem mais fácil, já que estamos cercados delas.

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