Aqui, tatuo-me.

visível e invisível.
e ponto

(s)




sábado, setembro 22, 2012

Poeticamente bruta, essa força



Fuerza Bruta começa e a impressão de que tudo vai ficar na sequência de imagens belas e coloridas remexem na memória. O som daquela rave em Barcelona. A questão estética e a recepção, aqui, dialogam aqui com aquele conceito de... Peraí, estou racionalizando a respeito? Estou indagando-me por que disto, por que daquilo, o que pretendem? Qual narrativa? Cadê conflito? Teatro?

Digo-me: Basta!

Jogo-me. Sem pensar. Com amigos. Com desconhecidos. Aceito a experiência sensorial proposta. Corro. Suspendo-me. Rompo paredes! Vou-me pelo corredor que se abre para os atores. Sou um deles. Invado o espaço. Espaço. Espaço. Misturo-me. Danem-se momentaneamente as teorias! Já não sei se gravo, fotografo. Já não sei se vivo. Explicações coerentes e fundamentadas quebram-se na cabeça. Que a razão vire papel picado, eu permito.

Divirta-se, Hermes!


Depois, contemple. Quase um mantra. Feto imerso em piscina de fundo transparente sobre nossas cabeças dizendo-nos – inaudível – lê-se os lábios: Amo! Eu te amo! Sim, está a dizer-nos. Ou, estarei querendo ouvir? Ah, bem que poderia.

Quero tocar o corpo encapsulado. Qual. O dentro, ou o fora da resistente transparência?

E poderia continuar assim, poética e imageticamente bruta, sensível e porosa, absorvendo-me por mais duas, três horas. Eu toparia viver: mais o risco do que o planejado, mais o instinto do que o estruturado, mais do natural do que o previamente descrito. Mais pele nua do que couraças.

No final, banho de água quente lava e leva o peso da velocidade dos dias. Escoa, pinga o que nos impõe racionalizar o inusitado. Apenas diversão? E por que não?


A vida pode virar festa! A minha, não. Ela precisou de Fuerza Bruta para vibrar outra sintonia. Ingênuo? Sim. Ingenuidade infantil. Inocente, até. Que bom! Minha criança desperta em mim. Que saudade! Pouco? Minha velocidade pro mundo não é a imposta. Exercito pausas, silêncios, olho pro céu, pro mar, a estrada. O ido e o ainda a ir. Percebo que respiro dentro de meu escafandro.

E constato:

A coisa toda não aconteceu fora. Foi sutil. Foi por dentro. Permiti-me encharcar as couraças seguras. A intenção clara foi dissolvê-las. Só isto. E pronto.  Nem tão bruta. Nem tão forte. Poética e viva, sim. E mais reverberando: Pai, quero andar outra vez na roda-gigante. Você deixa?

quarta-feira, setembro 05, 2012

Por respeito à Infância, pela esperança de um melhor futuro à Criança de hoje

Não tenho a mínima disposição para ver tanto ódio e vingança sendo disseminados na novela das 21h, da Globo. Não tenho a mínima disposição para ver modelos de bigamia sendo tratados com comicidade na novela das 21h, da Globo, pelas classes supostamente mais "abastadas". Comportamento este, reforçado na mesma emissora, em programas onde ecoam certos ditos de "compositores" a exibirem suas inúmeras mulheres e vinte e poucos filhos diante de uma repórter sorridente, frente a um comportamento que foge ao que determina a lei. Soa ofensivo à Mulher Brasileira, como se esta estivesse se sujeitando a ser tratada como vaca, haja visto o mesmo compositor tenha argumentado em diversos programas da Globo, considerando a seu favor o fato, segundo o próprio, que "se o touro ou qualquer macho de qualquer rebanho pode pegar qualquer fêmea por que eu, que sou macho, não posso fazê-lo?". Onde se coloca a justiça frente a esta declaração? Para sublinhar, as personagens bígamas da novela das 21h, da Globo, negociam o uso do macho mediante contrato assinado legitimando-o à condição de prostituto.

Não, eu não sou a favor do politicamente correto hipócrita que vem sendo utilizado como argumento para recusa de muitos textos literários que merecem estar ao alcance do leitor e que não tem a possibilidade de publicação em nome de uma suposta dificuldade de compreensão de certos temas considerados polêmicos num país que exibe em todas as mídias inúmeras bundas e peitos como a propagá-los à condição de símbolo de status. Não sou a favor deste discurso que vive na fachada, que se alimenta da bizarrice a fim de acumular fortunas e rir do descaso de uma plateia calada. Preocupa-me, sim, a recepção destes equívocos pela massa desprovida de senso crítico. De uma maioria não leitora, que nunca teve ao seu alcance outros modelos que não estes da infeliz, manipuladora e abonada telinha.

Tenho, sinto sim, enorme tristeza ao perceber como o povo brasileiro deixa-se manipular por certas posturas de comportamento exibidas na novela das 21h, da Globo, na qual subestima a capacidade intelectual e emocional de seus telespectadores, ao exibirem grupos sociais alavancados pelo fenômeno econômico brasileiro recente e que parecem ter deixado para trás a gentileza, a educação e o senso de respeito. Grupos sociais, estes, para os quais a vida soa rasa, superficial, confusa, sem a força do trabalho e do desenvolvimento do pensamento crítico, além da ausência do convívio coletivo que busca a harmonia e a compreensão dos limites da liberdade de si e do outro.

Tenho, sim, medo de como estes personagens idiotizados tem sido continuamente injetados na veia do espectador de forma a fazê-lo supor fazer parte destes péssimos modelos de comportamento como se este fosse o valor do comportamento do brasileiro. Ou seja, o descaso, a vingança, o desrespeito, a impossibilidade de diálogo harmonioso.

Tenho receio, sim, e muito, de que grande parte dos brasileiros suponha se enxergar - ou mesmo rir, como se distanciados - destes equívocos de teledramaturgia que tem rendido aplausos efusivos aos seus autores em eventos de literatura, programas e revistas de fofocas.

Tenho, sim, enorme receio de que fiquemos pensando raso no trato das relações humanas a partir dos péssimos exemplos de uma teledramaturgia que diz refletir a vida real. A vida real de quem? De onde?

Falta-nos esforço em promover mais leitura e boa literatura a fim de evitarmos conceber que a TV brasileira, uma concessão pública, tripudie na cabeça do espectador quando se põe a influenciar as pessoas, incitando-as à manipulação, ao ódio, à falta de diálogo, à superficialidade, irresponsabilidade e vagabundagem envoltos pela comicidade e em nome da diversão, como se fôssemos meros cordeiros integrados a um rebanho padronizado, a cabresto.

Alguns de nós ainda temos senso crítico. Alguns de nós ainda acreditamos em outras possibilidades que não estas, verticais, do lugar de onde fala o poder "da força da grana que ergue e destrói coisas belas". Podemos tranquilamente olhar com distanciamento e conjecturar a respeito. O sofá não deve nos situar no lugar de conforto frente as atrocidades expostas. Nos lancemos às interrogações ante à barbárie que engolimos sem mastigar! Sim, temos o poder de mudar o canal, desligar os aparelhos. Quem de nós o faz? Boa parte de nós ainda mantém vivo o senso crítico ante o deitar e rolar sobre a ignorância (de estar indiferente). O terá a grande maioria que não teve, não tem e quiçá terá - a partir dessa informação massificada, obscena e equivocada - a ínfima chance de desenvolvê-lo? Tenho receio de que ainda acredite eu em utopias. Nos será possível ainda este direito?

Na Moral, o discurso televisivo está cada vez mais esvaziado. Diante da fratura exposta promovida por uma fauna bizarra e tresloucada, entre um equívoco e outro de patrocinadores a nos iludirem através da divulgação de produtos focados em promessas de nos elevar ao status de beleza apolíneas - para contrabalançar com o terror exibido a cada episódio da novela das 21h, da rede Globo, como a implantar um ilusório respiro dentro de nossos escafandros imersos em náusea e sedentos de ar puro, soa-me falso e ofensivo o convite à solidariedade sob o nome de Criança Esperança.

(Hermes Bernardi Jr. é escritor, ilustrador de LIJ, diretor e dramaturgo de teatro para a infância, e estudante de Ciências Sociais com enfoque em Antropologia Cultural.)