Não, eu não sou a
favor do politicamente correto hipócrita que vem sendo utilizado como argumento
para recusa de muitos textos literários que merecem estar ao alcance do leitor
e que não tem a possibilidade de publicação em nome de uma suposta dificuldade
de compreensão de certos temas considerados polêmicos num país que exibe em
todas as mídias inúmeras bundas e peitos como a propagá-los à condição de
símbolo de status. Não sou a favor deste discurso que vive na fachada, que se
alimenta da bizarrice a fim de acumular fortunas e rir do descaso de uma
plateia calada. Preocupa-me, sim, a recepção destes equívocos pela massa
desprovida de senso crítico. De uma maioria não leitora, que nunca teve ao seu
alcance outros modelos que não estes da infeliz, manipuladora e abonada
telinha.
Tenho, sinto sim,
enorme tristeza ao perceber como o povo brasileiro deixa-se manipular por
certas posturas de comportamento exibidas na novela das 21h, da Globo, na qual
subestima a capacidade intelectual e emocional de seus telespectadores, ao
exibirem grupos sociais alavancados pelo fenômeno econômico brasileiro recente
e que parecem ter deixado para trás a gentileza, a educação e o senso de
respeito. Grupos sociais, estes, para os quais a vida soa rasa, superficial, confusa,
sem a força do trabalho e do desenvolvimento do pensamento crítico, além da
ausência do convívio coletivo que busca a harmonia e a compreensão dos limites
da liberdade de si e do outro.
Tenho, sim, medo de
como estes personagens idiotizados tem sido continuamente injetados na veia do
espectador de forma a fazê-lo supor fazer parte destes péssimos modelos de
comportamento como se este fosse o valor do comportamento do brasileiro. Ou
seja, o descaso, a vingança, o desrespeito, a impossibilidade de diálogo
harmonioso.
Tenho receio, sim, e
muito, de que grande parte dos brasileiros suponha se enxergar - ou mesmo rir,
como se distanciados - destes equívocos de teledramaturgia que tem rendido
aplausos efusivos aos seus autores em eventos de literatura, programas e
revistas de fofocas.
Tenho, sim, enorme
receio de que fiquemos pensando raso no trato das relações humanas a partir dos
péssimos exemplos de uma teledramaturgia que diz refletir a vida real. A vida
real de quem? De onde?
Falta-nos esforço em promover mais leitura e boa literatura a fim de
evitarmos conceber que a TV brasileira, uma concessão pública, tripudie na
cabeça do espectador quando se põe a influenciar as pessoas, incitando-as à
manipulação, ao ódio, à falta de diálogo, à superficialidade,
irresponsabilidade e vagabundagem envoltos pela comicidade e em nome da
diversão, como se fôssemos meros cordeiros integrados a um rebanho padronizado,
a cabresto.
Alguns de nós ainda
temos senso crítico. Alguns de nós ainda acreditamos em outras possibilidades que
não estas, verticais, do lugar de onde fala o poder "da força da grana que
ergue e destrói coisas belas". Podemos tranquilamente olhar com
distanciamento e conjecturar a respeito. O sofá não deve nos situar no lugar de
conforto frente as atrocidades expostas. Nos lancemos às interrogações ante à
barbárie que engolimos sem mastigar! Sim, temos o poder de mudar o canal,
desligar os aparelhos. Quem de nós o faz? Boa parte de nós ainda mantém vivo o
senso crítico ante o deitar e rolar sobre a ignorância (de estar indiferente).
O terá a grande maioria que não teve, não tem e quiçá terá - a partir dessa
informação massificada, obscena e equivocada - a ínfima chance de
desenvolvê-lo? Tenho receio de que ainda acredite eu em utopias. Nos será
possível ainda este direito?
Na Moral, o discurso
televisivo está cada vez mais esvaziado. Diante da fratura exposta promovida
por uma fauna bizarra e tresloucada, entre um equívoco e outro de
patrocinadores a nos iludirem através da divulgação de produtos focados em
promessas de nos elevar ao status de beleza apolíneas - para contrabalançar com
o terror exibido a cada episódio da novela das 21h, da rede Globo, como a
implantar um ilusório respiro dentro de nossos escafandros imersos em náusea e
sedentos de ar puro, soa-me falso e ofensivo o convite à solidariedade sob o
nome de Criança Esperança.
(Hermes Bernardi Jr. é
escritor, ilustrador de LIJ, diretor e dramaturgo de teatro para a infância, e
estudante de Ciências Sociais com enfoque em Antropologia Cultural.)
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