Aqui, tatuo-me.

visível e invisível.
e ponto

(s)




quarta-feira, junho 02, 2010

Smokermotherfucker

Saí para a rua cedo da manhã. Saí antes do previsível. Em casa, eu acordo e acendo um cigarro. Em casa eu fumo. Me entupo de nicotina enquanto escrevo. Tenho vergonha. Tenho muita vergonha. Pura verdade. Na rua, não fumo. Tenho vergonha de encontrar uma criança e ela sentir o fedor de tabaco na minha roupa, em minha pele, no cabelo. Tenho vergonha de encontrar uma professora, a mãe de um leitor, um amigo que não fume e que não vai controlar o impulso natural do ato de inalar, e vai estranhar o ar ao redor quando me abraçar. E sorrirá disfarçando para não me constranger. E eu vou ficar constrangido. Não por ele. Por mim. Pelo meu fedor que eu penso que disfarcei usando aquele perfume bem caro, de notas diferentes, que eu me orgulho em dizer que é quase minha marca registrada aquela fragrância que todo mundo pergunta qual é e eu nunca respondo, para ficar bem marcado que eu sou um cara que cheira bem. Na rua não fumo. Nunca. Por isso acordei e saí para a rua. Vou tomar meu café, comer pão feito na hora. Depois, terapia. Depois, almoço super natureba. Depois, cafezinho na Cidade Baixa. Preciso trabalhar. Escrever. Mas não em casa. Em casa eu fumo. Eu me envergonho por que fumo. Eu fumo em casa, como quem faz algo proibido e prazeroso. E me culpo. E me esqueço que fumo. Me culpo por ter virado essa almofadinha de tabaco ambulante. Vou fumar se botar o pé na sala. Eu sei. Não volto. Minha amiga, parceria de cafezinho, volta para a sua casa. As pessoas não tem que me aguentar papeando por que eu não tenho um cigarro para enfiar na boca. As pessoas tem seus afazeres. Faça alguma coisa! Abro o notebook, trabalho num café. Lá dentro, onde é proibido fumar. De lá de dentro eu não posso sair. Devoro as carnes da extremidades dos dedos. As pontas dos dedos sangram. Eu roo unhas. Posso sair e fumar. Mas se encontro um amigo? Poxa, eu sempre estou cheiroso, me disseram. E eu estufo o peito, abro a juba de leão. Sim, eu sempre estou cheiroso. Mas esse mesmo peito tosse quando acendo um cigarro de manhã, de tarde, de noite, de madrugada, ou mesmo antes de escovar os dentes na manhã seguinte. Já tive parceria de cama que no auge da foda disse "nossa que cheiro de cigarro..." Vergonha. Era o meu cabelo. Vergonha. Brochei. Hoje passo o resto do dia pela rua. Não me suporto como fumante. Não me suporto impregnando a casa com esse fedor, essa murrinha que se impregna em toda a mobília de griffe. Que griffe? De que vale? Se fede. Se fode. Vou pra rua. São 18horas. Volto para o meu bairro, o Menino Deus. Tomo caldo quente na rotina do final do dia. Falo, falo, falo com a atendente da Oficina do Açaí. Falo sem parar. Não ouço. Falo, apenas. Saio pra rua depois de tomar o caldo de gengibre e moranga. Hum, super natureba saudável, gengibre é bom pra garganta. Que bacana! Eu to me limpando. Eu sou um cara que se cuida. Mas e agora? Pra onde eu vou? Se eu voltar pra casa, eu fumo. Em casa eu fumo. Vou verificar essa aula de Yoga. Confiro e consulto os procedimentos para fazer essa aula de Yoga. Preciso ocupar meu tempo fora de casa, minimizar a ansiedade, aperfeiçoar o tonus, o músculo. Saio da Yoga. Tudo certo, na sexta-feira, então, uma aula experimental. Nossa, que legal! Eu estou cuidando de mim mesmo! Eu sou uma pessoa legal. Eu não sou um fedorento fumante. Eu não! Sou um cara perfumado. Eu tô limpo! De volta à rua. Que bacana. E limpo, cara! São 19:57. E agora? Pra onde eu vou? Pra casa. Abrir a porta e correr acender um cigarro. Não. Eu não vou para casa. Se eu for, eu fumo. Paro no posto, na lojinha de conveniência, pego um café com leite na maquininha da Nescafé. As pessoas voltam para sua casas, querem aconchego, descanso. Eu não quero voltar pra casa. Eu falo para o atendente na loja tudo que tá acontecendo comigo. Eu penso eu sou um doido falando com um desconhecido sobre minha vida toda eu sei eu preciso ocupar minha boca falando pra eu não pensar nisso que eu estou pensando que é como vai ser quando eu chegar em casa e ficar com aquela maldita vontade como esta que estou agora que é fumar um maldito cigarro fedorento que destrói o meu corpo por que eu já não corro tanto, não respiro tanto, não resisto tanto, não aguento o tranco por causa dessa porra de coisa que enfio no meu corpo e que é esse maldito, maldito, maldito cigarro.  Mas é preciso que eu pense nele como algo maldito mesmo. Se eu não falar para alguém, para qualquer um, na rua, no bar, na padaria, que o cigarro é maldito eu não me convenço. Vou virar um cara que cruza as ruas, meio sem destino, fugindo de uma nuvem de nicotina? Não. Eu preciso aprender a voltar pra casa e não acender essa porra desse cigarro. Eu volto. Eu reluto, no caminho. Eu choro, no caminho. Eu choro sozinho no meio da rua por que eu virei esse viciado. Eu não quero ceder a esta porra de substâncias tóxicas que já se impregnam até em meus olhos. Eu sinto a nicotina exalando pelos meus olhos. Eu ando. Eu abro a porta, reticente. Eu olho a porra da carteira de cigarro sobre a escrivaninha. Meu tempo sagrado, a escrivaninha. O templo onde eu disse aos amigos, jamais, jamais ponham mochilas, bolsas, que vocês colocam em qualquer lugar, que se sujam da rua, dos bares, dos assentos, jamais coloquem essas bolsas, mochilas sobre a minha escrivaninha. E agora eu olho o maço de cigarro, exposto na melhor parte da escrivaninha. No meu templo, no meu tempo. Eu não quero, minha mão se insinua. Ponho o iPod no som. Sincronizo uma música agitada. E danço na sala. Som a todo volume. Não! Eu não vou fumar. Eu vou dançar! E até quando eu resistirei? E até quando eu dançarei? Para sempre, disse-me o anjo. As vidraças da varanda estão abertas. Eu danço enlouquecidamente. Os vizinho espiam para dentro da minha privacidade. Eu sinto seus olhares. Fodam-se. Eu sempre fui muito correto, certinho. Nunca quis incomodar. Volume sempre baixo, respeitoso. Mal gemia quando trepava para não incomodar o vizinho que estava assistindo à novela. Fodam-se. Sim, eu enlouqueci porque eu to tentando, prolongando esse tempo sem fumar. Prolongando o meu templo, o meu corpo. Quase doze horas sem colocar um cigarro na boca. Uma conquista para quem acende um no outro, somente em casa. Um no outro. Das 18h até 02h consome-se um maço. Ou mais. Escrevo, navego na web. E fumo. E fumo dentro da sala fechada. Só na sala. No quarto, jamais. Mas hoje, não. Eu não quero mais. Eu to cansado desse vício. É o pior. Eu não tenho outros. Eu bebo pouco álcool. Bebo só nas férias. Ou num jantarzinho legal eu bebo vinho. Uma taça. Só. Sou disciplinado. Eu não me drogo. Eu sou viciado. Eu fumo. Uma bosta! Eu fumo cigarro comum. Eu fumo nicotina. Minha pele já não tem aquele viço. E agora eu tento parar. Eu aumento o volume do som e danço no meio da sala. Os vizinhos espiam. Se eu parar pra escrever eu vou acender um cigarro. Eu sei que vou. Tem um maço profanando o sagrado da minha escrivaninha. Há sete cigarros dentro. Há dois isqueiros, ali, bem próximo. E eu escrevo e penso nisso, o tempo todo eu penso em acender um cigarro. E esse pensamento já dura quase doze horas, o tempo exato que eu estou sem fumar. Eu sou um porra de um smokermotherfucker. Mas eu estou escrevendo agora olhando o maço aberto e vou escrevendo e prolongando essas horas, de doze podem ser 24, 36, 78 horas sem essa porra do cigarro. Será que eu resisto? Me ajuda?


Obs: Esse texto me chegou por e-mail, disse-me ele, disfarçando a possível verdade contida em seu relato, como se tudo ali descrito fosse a sua própria vida. Disse-me: Minha ficção é real. Minha ficção foi inspirada em você. Você, ou esse a quem ficcionalizei como uma pessoa, real. Tenho lhe observado todos os dias a caminhar pelas ruas do Menino Deus. Você ama esse bairro, não ee? Mas outro dia, no meio de tudo que se movia eu lhe vi. Percebi em seus olhos a nuvem. Por isso escrevi esse e-mail que lhe envio agora. Esse não sou eu. Esse é você. Sua ficção é real. E esse, descrito, é você se escrevendo e narrando tudo como se fosse ficção porque você não quer parar de digitar. Se parar de seguir o fluxo desse pensamento descoordenado e retirar os dedos de sobre o teclado você acenderá um cigarro. Por que em casa você fuma. Você fede. Na rua, não. E você está cansado de digitar e ouvir Leonard Cohen cantando The Future ao mesmo tempo em que pensa que, se parar de digitar você acenderá a porra de um cigarro. E eu sei disso por que na minha ficção é nisso que você pensa enquanto escreve. Nisso tudo.

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